Projeto Quatro Troncos Missioneiros – Conhecer para valorizar

Lizandra Andrade Nascimento – Professora orientadora
Sarah Sides – Bolsista do projeto de extensão
Tatiane Munareto – Voluntária

Na etapa inicial do projeto possibilitou a imersão na obra dos Quatro Troncos Missioneiros, por meio da qual ampliou-se o encantamento pela riqueza da produção desses artistas, selecionando possibilidades de análise de sua produção em temas como: - amor à tradição e ao Rio Grande do Sul; - valorização dos recursos naturais; - respeito à mulher; - defesa da justiça social e da liberdade.

Amor à tradição e ao Rio Grande do Sul

Cenair Maicá canta a Gana Missioneira: “Eu sou missioneiro nasci para a liberdade. Mas aqui finquei meu rancho pra não sentir mais saudade Sou herdeiro de Sepé retemperado na guerra E se precisa eu tranco o pé pra defender minha terra”.
Nas Belezas Missioneiras, Cenair enaltece nossa terra em seus versos: “[...] o meu pago tudo é lindo. Desde que o dia amanhece. O galo canta no terreiro e. O Sol logo aparece clareando. O horizonte aquecendo toda. A terra dando alegria nos Campos onde a alegria prospera.
Noel Guarany, em sua Filosofia de Gaudério, canta: “Senhores, peço licença, licença pede atenção, que junto com meu violão num estilo missioneiro, num lamento bem campeiro de gaudério payador, pois ser gaúcho senhor que em toda a pampa existe, é o homem que canta triste por isso eu nasci cantor”. Fica evidente que gaúcho canta mesmo triste, porque tem na alma a poesia e a arte.
Noel também destaca o amor ao Rio Grande em Destino Missioneiro: “De lutar por este chão, no mais sério patriotismo, da lança para o lirismo, da tradição ao presente, da incertidão ao consciente, para um puro brasileirismo. Se não entendem o meu canto, neste país muito grande, hei de cantar o Rio Grande, pedaço de continente”.
Por sua vez, Jayme Caetano Braun, defende nosso chão gaúcho, com o tom crítico e contundente que lhe é peculiar, payando em Momento Sério: “Aqueles que não entendem, nossa base de estrutura, ou não leram a escritura de onde os gaúchos descendem, os que compram e que vendem sem respeitar a legenda, os do encobre e do remenda, do esbulho e do desmande, não sabem que este Rio Grande não é uma sucata à venda!”.
Jayme destaca as particularidades do Rio Grande do Sul, dentre as quais a culinária. Em Arroz de Carreteiro, o payador descreve: “Nobre cardápio crioulo das primitivas jornadas, nascido nas carreteadas do Rio Grande abarbarado, por certo nisso inspirado, o xiru velho campeiro, te batizou de "Carreteiro", meu velho arroz com guisado”. Graças a esta payada, o município de São Luiz Gonzaga foi considerado Capital Gaúcha do Arroz Carreteiro, a partir da Lei nº. 472/2019.


Pedro Ortaça, em seu Timbre de Galo, lembra que o Rio Grande é nosso patrimônio e de define por sua natureza, por seus hábitos e bens culturais: “Meu canto lembra o relincho e sanga de pedregulho. Meu canto lembra o mergulho da manada de capincho. Meu canto evoca o bochincho quando o candeeiro se apaga. Ali onde ninguém indaga, nem quem foi e nem quem é, se é crioulo de Bagé, Santana ou São Luiz Gonzaga” (Meu Canto, Pedro Ortaça).
Em De Guerreiro a Payador, Ortaça enaltece as raízes históricas do RS, cantando: “Sou filho dos sete povos, tenho sangue de Sepé e tudo que digo eu provo, com juramento de fé. O meu legado é tanto, nem carece explicações e até no canto que canto ecoa a voz das Missões.

A religiosidade missioneira

Todos sabem (pelo menos deveriam saber) que a religião nas Missões Jesuíticas era o Cristianismo, mais especificamente o Catolicismo Apostólico Romano. No caso específico das nossas povoações missioneiras a religiosidade era ministrada pela Ordem da Companhia de Jesus. Os jesuítas compunham um grupo de religiosos com ampla formação, não só religiosa, como filosófica e de especialização em outras artes e ofícios, como música, arquitetura e até mesmo medicina.

Na América do Sul os padres jesuítas tinham a missão de converter e proteger os índios contra a escravidão, seja contra portugueses ou espanhóis. A conversão não foi um elemento de fácil aplicação, pois os indígenas já possuíam religião.

 

Os jesuítas cumpriram funções de catequização, ensino e produção econômica no Brasil.

A religião primitiva dos guaranis era do tipo animista, onde elementos da natureza, como sol, lua e chuva possuíam essência espiritual, eles também tinham suas mitologias, seus mitos criadores e uma constante busca pela “Terra Sem Males”, um local sem fome, violência ou guerras. Junto a isso, havia uma forte presença do xamã, uma mistura de profeta, sacerdote e médico, tanto do corpo quanto do espírito.

Mas de que forma essas duas religiões puderam conviver nas Missões?

Os guaranis optaram viver em comunidades cristãs para salvar sua vida. Primeiramente em uma clara manobra para escapar dos ataques escravistas dos Bandeirantes Paulistas. Mas isso não é tudo. A salvação também seria da alma, os guaranis enxergavam no paraíso cristão a sua “Terra Sem Males”. 

Para os nativos não houve uma troca de religião, mas o que sociologicamente chamamos de sincretismo (mistura). Houve uma adaptação do guarani ao novo modelo, demonstrando e capacidade de sobrevivência extraordinária, contrariando aqueles que citam os guaranis como seres pouco inteligentes e preguiçosos.

Vou dar um exemplo que me parece claro sobre o sincretismo e suas heranças: o benzimento (elemento indígena). Na atualidade ainda temos pessoas que benzem, muitas vezes utilizando elementos da natureza, como brasa ou ramos de plantas. Em suas benzeduras é frequente a oração a Deus, ou Jesus Cristo e Nossa Senhora (elementos cristão). 

A prática do benzimento ainda é comum entre o povo indígena

Temos aí uma clara manifestação da união entre o cristão europeu e o animista guarani. União que se deu não só na religião, mas em todos os aspectos da vida missioneira. Talvez aí estivesse a Terra Sem Males, neste plano, nesta vida, nas Missões Jesuíticas.


Texto escrito por:

Anderson Iura Amaral Schmitz

• Licenciatura em História pela URCAMP
• Licenciatura em Filosofia pela UNINTER
• Especialização em História do Brasil Contemporâneo pela URI
• Mestrado em Patrimônio Cultural pela UFSM
• Atualmente atuando como professor da URI, coordenador do Centro de Documentação e Memória do Instituto Histórico e Geográfico e Diretor de Museus de São Luiz Gonzaga.
• O mais importante de tudo: pai da Andressa, do Pedro e do Leonardo e avô da Ana Luiza e da Giovana

 

Platão nas Missões

Por mais de 200 anos os jesuítas pregaram. Com rígida hierarquia e amor ao próximo, os padres se embrenharam nas matas, charcos e campos da América (e de outros continentes), formando aqui uma grande nação. Em 1609 foi fundado o primeiro povoamento jesuítico na América do Sul, tratava-se de San Ignacio Guazu, hoje território paraguaio. Os jesuítas fundaram dezenas de outros povoados na região, incluindo os que hoje pertencem ao território brasileiro e são conhecidos como Sete Povos das Missões, pertencentes aos chamados 30 Povos.

Podemos observar hoje que os povoados estão divididos em um território que abrange Argentina, Brasil e Paraguai. Muitos deles ainda possuem registros materiais das antigas civilizações, o mais conhecido no Brasil é o Sítio Arqueológico de São Miguel das Missões, considerado Patrimônio Cultural da Humanidade desde 1983. Mas o que o filósofo Platão, que viveu antes da Era Cristã teria a ver com isso?

Existe uma teoria (pouco estudada) que debate este assunto. Mostra que o formato dos povos, os locais de instalação, o comércio, o número de habitantes e a religiosidade, entre outros, foram baseados em duas obras de Platão: “A República” e “As Leis”.

A justiça social seria alcançada, segundo Platão, quando houvesse harmonia entre as pessoas e para que se conseguisse harmonia seria necessário que os atores sociais possuíssem as seguintes virtudes: coragem, temperança, sabedoria e justiça. Esta harmonia, com estas virtudes vão encontrar eco nas Missões.

Esta relação entre Platão e as Missões foi realizada a primeira vez pelo padre José Peramás. Leitor de Platão, ele viveu por muitos anos com os guaranis reduzidos na América do Sul. Após a expulsão dos jesuítas dos 30 povos, ele se estabeleceu na Europa por 25 anos, onde publicou várias obras, inclusive “La Republica de Platón y los guaraníes ou De Administratione guaranica comparte ad Rempublicam Platonis commentarius”, onde faz esta análise.

Para exemplar esta possível relação vamos usar dois exemplos:

  1. O formato das cidades – Cita Platão que as cidades devem ser construídas em locais altos e os templos devem estar ao redor da praça e as casas e demais prédios ao lado deles. Toda a cidade deve formar uma muralha única, para fins de defesa. Nos povos missioneiros a praça central estava em um local alto, para todas as direções havia declives, o que facilitava muito em caso de defesa, tanto pelo fato de poder avistar inimigos ao longe, como da dificuldade destes para avançar em um terreno tendo que subir. A disposição dos templos religiosos seguia o formato descrito por Platão, assim como os demais prédios da cidade, todos ao redor da praça, fundidos de tal forma que, ao longe, pareciam muralhas. O que dava uma maior tranquilidade aos habitantes da polis missioneira.
  2. Em Platão temos que as casas não deveriam ser suntuosas, os habitantes não serem nem muito ricos, nem muito pobres, pois em qualquer caso perderiam a vontade de produzir. Que os armazéns da cidade estivessem à disposição do povo; que a comida fosse de simples preparo e os utensílios domésticos simples e em pequeno número. Peramás destacava que as casas dos índios eram simples, uma ao lado da outra, apenas um cômodo, poucos utensílios e a comida era basicamente carne e mandioca. Dormiam em redes, um pequeno local para guardar as roupas e uns bancos. Não havia fechadura nas portas, pois não havia furtos. 

Imagem: Representação da organização das cidades nas Missões

São apenas dois exemplos (de tantos que poderíamos usar) para demonstrar uma possível relação entre a Filosofia grega e as Missões Jesuíticas. Pode ser coincidência? Claro que sim, mas seria muita coincidência, tanta que podemos desconfiar de sua veracidade.

Texto escrito por:
Anderson Iura Amaral Schmitz
• Licenciatura em História pela URCAMP
• Licenciatura em Filosofia pela UNINTER
• Especialização em História do Brasil Contemporâneo pela URI
• Mestrado em Patrimônio Cultural pela UFSM
• Atualmente atuando como professor da URI, coordenador do Centro de Documentação e Memória do Instituto Histórico e Geográfico e Diretor de Museus de São Luiz Gonzaga.
• O mais importante de tudo: pai da Andressa, do Pedro e do Leonardo e avô da Ana Luiza e da Giovana