Por mais de 200 anos os jesuítas pregaram. Com rígida hierarquia e amor ao próximo, os padres se embrenharam nas matas, charcos e campos da América (e de outros continentes), formando aqui uma grande nação. Em 1609 foi fundado o primeiro povoamento jesuítico na América do Sul, tratava-se de San Ignacio Guazu, hoje território paraguaio. Os jesuítas fundaram dezenas de outros povoados na região, incluindo os que hoje pertencem ao território brasileiro e são conhecidos como Sete Povos das Missões, pertencentes aos chamados 30 Povos.

Podemos observar hoje que os povoados estão divididos em um território que abrange Argentina, Brasil e Paraguai. Muitos deles ainda possuem registros materiais das antigas civilizações, o mais conhecido no Brasil é o Sítio Arqueológico de São Miguel das Missões, considerado Patrimônio Cultural da Humanidade desde 1983. Mas o que o filósofo Platão, que viveu antes da Era Cristã teria a ver com isso?

Existe uma teoria (pouco estudada) que debate este assunto. Mostra que o formato dos povos, os locais de instalação, o comércio, o número de habitantes e a religiosidade, entre outros, foram baseados em duas obras de Platão: “A República” e “As Leis”.

A justiça social seria alcançada, segundo Platão, quando houvesse harmonia entre as pessoas e para que se conseguisse harmonia seria necessário que os atores sociais possuíssem as seguintes virtudes: coragem, temperança, sabedoria e justiça. Esta harmonia, com estas virtudes vão encontrar eco nas Missões.

Esta relação entre Platão e as Missões foi realizada a primeira vez pelo padre José Peramás. Leitor de Platão, ele viveu por muitos anos com os guaranis reduzidos na América do Sul. Após a expulsão dos jesuítas dos 30 povos, ele se estabeleceu na Europa por 25 anos, onde publicou várias obras, inclusive “La Republica de Platón y los guaraníes ou De Administratione guaranica comparte ad Rempublicam Platonis commentarius”, onde faz esta análise.

Para exemplar esta possível relação vamos usar dois exemplos:

  1. O formato das cidades – Cita Platão que as cidades devem ser construídas em locais altos e os templos devem estar ao redor da praça e as casas e demais prédios ao lado deles. Toda a cidade deve formar uma muralha única, para fins de defesa. Nos povos missioneiros a praça central estava em um local alto, para todas as direções havia declives, o que facilitava muito em caso de defesa, tanto pelo fato de poder avistar inimigos ao longe, como da dificuldade destes para avançar em um terreno tendo que subir. A disposição dos templos religiosos seguia o formato descrito por Platão, assim como os demais prédios da cidade, todos ao redor da praça, fundidos de tal forma que, ao longe, pareciam muralhas. O que dava uma maior tranquilidade aos habitantes da polis missioneira.
  2. Em Platão temos que as casas não deveriam ser suntuosas, os habitantes não serem nem muito ricos, nem muito pobres, pois em qualquer caso perderiam a vontade de produzir. Que os armazéns da cidade estivessem à disposição do povo; que a comida fosse de simples preparo e os utensílios domésticos simples e em pequeno número. Peramás destacava que as casas dos índios eram simples, uma ao lado da outra, apenas um cômodo, poucos utensílios e a comida era basicamente carne e mandioca. Dormiam em redes, um pequeno local para guardar as roupas e uns bancos. Não havia fechadura nas portas, pois não havia furtos. 

Imagem: Representação da organização das cidades nas Missões

São apenas dois exemplos (de tantos que poderíamos usar) para demonstrar uma possível relação entre a Filosofia grega e as Missões Jesuíticas. Pode ser coincidência? Claro que sim, mas seria muita coincidência, tanta que podemos desconfiar de sua veracidade.

Texto escrito por:
Anderson Iura Amaral Schmitz
• Licenciatura em História pela URCAMP
• Licenciatura em Filosofia pela UNINTER
• Especialização em História do Brasil Contemporâneo pela URI
• Mestrado em Patrimônio Cultural pela UFSM
• Atualmente atuando como professor da URI, coordenador do Centro de Documentação e Memória do Instituto Histórico e Geográfico e Diretor de Museus de São Luiz Gonzaga.
• O mais importante de tudo: pai da Andressa, do Pedro e do Leonardo e avô da Ana Luiza e da Giovana